Vejo, no cristal
escuro de uma vidraça, de forma distorcida, um reflexo, por certo, desiludido.
Vejo, no meio de uma aula estéril, na qual o douto quer resolver os problemas
dos céticos, alguns olhos interessados e também vejo outros olhos
desconcentrados. Vejo alguns olhando, com constante impaciência, o relógio que
não os socorre. Talvez eles pensem na vida. Nas coisas do dia-a-dia. Talvez suas
roupas estejam em algum varal, talvez seus carros estejam sem alarmes. Talvez
os seus cachorros estejam sem ração. Será que seus perfumes estão agradáveis?
Será que seus cabelos estão arrumados? Será que as suas unhas estão bem
cortadas? Talvez eles pensem, com excesso, na vida. Vejo, no fundo da sala do
absurdo, uma das lâmpadas, por ora, apagada. Ouço o som grave de um papel ser
amassado. Ouço o som agudo de uma cadeira sendo arrastada. Ainda ouço o
sussurro de alguém conversando. Vejo do lado direito da sala, uma trança
entranhar um rapaz. Vejo, ainda daquele lado sala, pessoas atentas demais, que
talvez escrevam sem ler, assim como, por vezes, eu faço. Vejo do lado esquerdo
da sala, um evidente entusiasmo, e também sinto um aroma intelectual. A
certeza, por lá, se mantém sentada e a dúvida está mais atrás. Vejo incontáveis
rostos felizes e também vejo outros encolhidos, e quem sabe até deprimidos.
Vejo, com gigante curiosidade, uma luva de kickboxing no chão, talvez o dono ainda
pense que é possível vencer a luta da vida. Vejo, com certa afeição, do outro lado
da sala, em cima da uma iluminada mesa, um livro do romancista Cervantes,
saboreado até a metade. Vejo tudo isso ao mesmo tempo, sem poder fazer um
minucioso exame, e isso me deixa demasiado entristecido. Queria analisar a
acomodação dessas coisas e esclarecer os porquês de elas estarem ali. Entretanto,
vejo abeirar-se o fim desta aula. Fim que há tanto ansiava.
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