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26/04/2017

A Sala do absurdo




Vejo, no cristal escuro de uma vidraça, de forma distorcida, um reflexo, por certo, desiludido. Vejo, no meio de uma aula estéril, na qual o douto quer resolver os problemas dos céticos, alguns olhos interessados e também vejo outros olhos desconcentrados. Vejo alguns olhando, com constante impaciência, o relógio que não os socorre. Talvez eles pensem na vida. Nas coisas do dia-a-dia. Talvez suas roupas estejam em algum varal, talvez seus carros estejam sem alarmes. Talvez os seus cachorros estejam sem ração. Será que seus perfumes estão agradáveis? Será que seus cabelos estão arrumados? Será que as suas unhas estão bem cortadas? Talvez eles pensem, com excesso, na vida. Vejo, no fundo da sala do absurdo, uma das lâmpadas, por ora, apagada. Ouço o som grave de um papel ser amassado. Ouço o som agudo de uma cadeira sendo arrastada. Ainda ouço o sussurro de alguém conversando. Vejo do lado direito da sala, uma trança entranhar um rapaz. Vejo, ainda daquele lado sala, pessoas atentas demais, que talvez escrevam sem ler, assim como, por vezes, eu faço. Vejo do lado esquerdo da sala, um evidente entusiasmo, e também sinto um aroma intelectual. A certeza, por lá, se mantém sentada e a dúvida está mais atrás. Vejo incontáveis rostos felizes e também vejo outros encolhidos, e quem sabe até deprimidos. Vejo, com gigante curiosidade, uma luva de kickboxing no chão, talvez o dono ainda pense que é possível vencer a luta da vida. Vejo, com certa afeição, do outro lado da sala, em cima da uma iluminada mesa, um livro do romancista Cervantes, saboreado até a metade. Vejo tudo isso ao mesmo tempo, sem poder fazer um minucioso exame, e isso me deixa demasiado entristecido. Queria analisar a acomodação dessas coisas e esclarecer os porquês de elas estarem ali. Entretanto, vejo abeirar-se o fim desta aula. Fim que há tanto ansiava.

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